APOSTILA DO WM DE ERNESTO DOS SANTOS: CAPÍTULO II – O SISTEMA CLÁSSICO OU PIRAMIDAL

CAPÍTULO II

O SISTEMA CLÁSSICO

     Vimos, assim, como através de um período de vinte anos, chegamos da forma mais rudimentar do jôgo, àquilo que se chama hoje de Sistema Clássico.

     E, a essa evolução, no que diz respeito à distribuição dos jogadores em campo, só chegou, exclusivamente, à custa de muitas tentativas e enganos. Observações acuradas, através dos anos e de muitas tentativas, bem ou mal sucedidas, nos conduziram à forma nacional de distribuição dos jogadores pelo campo todo, fugindo-se ao aglomerado elementar de mais de dois terços dos jogadores no ataque.

O QUE DIZEM AS LEIS DO JÔGO

     Efetivamente, as Leis (ou Regras) não determinam a distribuição dos jogadores em campo, nem nada dizem sôbre suas diversas posições e funções, com exceção, é claro, do goleiro. Resumindo dizem, apenas, que a bola deve ser impulsionada com os pés, permitindo-se o uso das demais partes, exceto os braços e mãos, que a finalidade é fazer com que a bola transponha a linha de “goal” do adversário e que vencerá aquele que maior vezes conseguir isto. Estabelecem normas para a execução desta finalidade, mas, nada dizem a não ser que um dos jogadores, usando uniforme diferente, será o guarda do “goal” (goal-keeper), podendo para isso, usar das mãos – previlégio de que goza dentro de toda a grande área.

     Quanto ás funções dos demais jogadores não são determinadas e tudo o que hoje existe a respeito, isto é, em várias posições, as funções dos componentes da equipe e sua movimentação em campo, são, como dissemos acima, fruto da experiência, da observação dos estudiosos e técnicos que, com o decorrer dos tempos, foram criando a tática do Jôgo.

O PORQUE DO NOME

     Vimos como em 1883 àquilo que se chama de SISTEMA CLÁSSICO. Vejamos, agora, a razão do nome.

     Os ingleses chamam o Sistema de “rover center-half”, isto é jogo de centromédio ofensivo. Mas a formação clássica de um goleiro, dois zagueiros, três médios (médio direito, centro-médio e médio esquerdo, e cinco atacantes (ponta direita, meia dieita, centro, meia esquerda e extrema esquerda) que, em esquema, representa um triângulo, que podemos ver na fig. 5, é que originou êste nome no continente europeu. Efetivamente, como já dissemos no capítulo anterior, apezar de, em nossos dias, a quase metade das equipes jogar, na realidade com quatro zagueiros, continuamos a mencionar a escalação na fórma clássica e tradicional.

     Todavia, já naquela época, a colocação dos zagueiros, lado a lado, em linha paralela à do fundo do campo, como se apresenta nos esquemas, não existia na prática, como passamos a verificar.

A ANTIGA LEI DO IMPEDIMENTO

      A Lei do Impedimento que, como vimos, foi modificada em 1925, determinava que “o jogador”, ao lhe ser lançada a bola, devia ter entre êle e a linha de fundo de campo, dois adversários, pelo menos, para ser considerado em posição legal, não se levando em conta as várias exceções que a própria Lei estipula.

     Todo o plano tático defensivo de então, como vamos ver, salvo é claro, a distribuição dos jogadores em campo, pelas várias posições, que já é em si um plano tático, consistia na exploração dêste simples detalhe da Lei do Impedimento.

OS ZAGUEIROS

     Ao contrário do que a Fig. 5 nos mostra, os dois zagueiros jogavam não numa linha paralela à do fundo do campo, mas, numa linha quasi longitudinal.  A vantagem desta colocação estava no fato do atacante, ao menor descuido, cair na posição de impedimento, bastando, ´para isso, adiantar-se à linha do zagueiro X, “back de frente” como se chamava na época, linha esta imaginaria, cruzando o campo. Desta maneira, cada defesa, junto do seu “goal”, como que uma zona de segurança, representada por todo o espaço que havia entre a linha de colocação do zagueiro da frente até a linha de fundo. E esta zona de segurança tanto maior se tornava quanto mais se adiantava o referido zagueiro.

     O outro, conhecido na época por “back de espera”, ficava atrás, junto do seu “goal” para rebater as bolas que sobravam, numa posição, aliás, muito cômoda.

A ARTE DE COLOCAER O ATACANTE UM IMPEDIMENTO

     Como já dissemos, esta colocação do “back de frente” era esplendidamente explorada pelos defesas de então, de modo que, ao menor descuido, os atacantes se impediam. E a habilidade das defesas nêste sentido, a facilidade de se adiantarem-no momento preciso – antes do passe partir, é claro, – representava todo o plano tático-defensivo da época. E, de tal maneira aperfeiçoaram as defesas, sôbretudo os zagueiros, nêste detalhe, que os “goals” estavam se tornando dificílimos de obter no futebol e os Legisladores na “ International Board” viram-se forçados a modificar a famosa Lei, com o objetivo único de fazer com que o jôgo não perdesse seu maior atrativo.

     Reduziram para dois o número de jogadores que o atacante deveria ter pela frente ao lhe ser passada a bola e, a partir daí, embora as defesas, especialmente as do futebol europeu, continuassem, até certo ponto a explorar o recurso, colocar os atacantes impedidos, tudo teve de ir modificando, porque a liberdade excessiva que estes passaram a desfrutar fez com que as primeiras se vissem obrigadas a lançar mão de outros recursos, como veremos adiante.

OS MÉDIOS DE ALA

     Os dois médios – 4 e 6 – jogavam próximos dos extremas e, embora não existisse marcação rigorosa que hoje é utilizada, tinham a seu cuidado êsses   homens, e por vezes dava-se o caso de jogadores de grande condição técnica, chagarem a cuidar do meia e do extrema. Era comum no futebol antigo dizer-se que o “half fulano” tinha marcado a “ala Tal”.

     Eram jogadores de função dupla, isto é, atacavam ou defendiam conforme as circunstâncias, mas de uma forma diferente da de hoje. Ter-se-á uma idéia melhor de como jogavam, se dissermos que marcava a bola. Realmente, era isto o que acontecia, porque o conceito de marcação ao extrema, por parte dos médios, era mais teórico do que práticos.

O CENTRO MÉDIO

     Quanto ao centro-médio, era o homem da equipe, e, pode-se dizer, o homem de todos os lugares. Embora fosse apontado como elemento de defesa, a que cabia marcar o centro-atacante, também era pura teoria, porque o centro-médio, daquele tempo, o “pivot” da equipe, geralmente era seu melhor jogador – pois para a posição só eram escolhidos os que tinham excepcional habilidade – corria o campo todo, indo onde a bola estava, indo, principalmente, ao ataque. Era o centro-médio”passeante” (rover-center-half como dizem os ingleses), jogador que caracterizava o Sistema de Centro-Médio Ofensivo, denominação dada na Inglaterra ao SISTEMA CLÁSSICO, conforme já vimos, mas, nunca estavam em contato com o homem que teóricamente marcava.

     Apesar de ser jogador de defesa, era muito mais atacante do que defensor, cabendo-lhe no futebol da época uma função muito semelhante dos chamados “meias de ligação” do futebol de hoje. Como dissemos, escolhia-se sempre para esta posição um homem excepcional e era conceito da época que o time que possuísse um bom centro-médio seria um bom team.

OS ATACANTES

     Quanto aos ataques, como consequência da colocação dos zagueiros contrários, em função da Lei do Impedimento, eram forçados a jogar numa linha mais ou menos paralela à do fundo do campo. Progrediam em passes curtos, especialmente entre os três centrais (meias e centro) ou, então, por meio de escapadas velozes dos extremas, que corriam até a bandeira de córner, dali davam seus clássicos centros, cruzando o goal. Não havia jogadas de profundidade porque qualquer descuido punha o atacante em impedimento e, além disso, as defesas sabiam, com maestria, provocar essa situação.

     Procurava-se vencer, assim, a resistência das defesas e chegar à zona de arremate, sendo comum ver-se, também, no futebol de então, o “jôgo de alas”, composta de meia e extrema que, jogando juntos, adquiriam grande entendimento. Chegavam a ter grande eficiência, mas em muitos casos, se dissociavam do trabalho de grupo, jogando quasi que exclusivamente entre si.

Alguns chegaram a se tornar famosos na época – Formiga e Mario de Andrade, Junqueira e Moderato, Feitiço e Evangelista, entre outros, são alguns bons exemplos – e essa como que dissociação do jôgo de equipe não constituiu transtôrno muito grande porque o futebol, de então, não tinha sua eficiência apoiada no trabalho de equipe, como hoje, sim, no trabalho individual.

     Os extremas velozes e controladores, tinha como objetivo mais do que o goal, a bandeira de córner. Os meias jogavam em linha com os extremas e eram arrematadores na época, os jogadores mais agressivos no ataque. O centro era o homem que jogava ligeiramente atrás distribuindo o jôgo, e esta distribuição era o termômetro de sua eficiência. Friednheich, o famoso “El Tigre”, era um grande “distribuidor” assim como foi Welfare sem que isso lhes tirasse a agressividade.

PREVALECIA O VALÔR INDIVIDUAL

     Não havia a marcação cerrada de hoje, sendo que, como plano tático, além do jôgo de posição, existia apenas – como já explicamos – a exploração da Lei do Impedimento. Nestas condições, o jogador podia livrar-se de planos táticos complicados. Dar expansão ‘a sua habilidade individual. Marcava-se a bola e não o jogador e nisto vai diferença fundamental entre o futebol moderno e o futebol de então.

     Prevalecia, pois, a ação individual, a capacidade de iniciativa de cada um, sua maior ou menor habilidade e, mesmo, sua maior ou menor personalidade, tudo isso subordinado, apenas, ao tradicional conceito de posição e ao exporádico entendimento que, na prática, adquiriam os jogadores entre si. Havia as grandes figuras, os “jogadores equipe” em tôrno dos quais girava todo o trabalho. Êles impunham suas virtudes ou personalidade de modo que, se faltavam, também faltava tudo.

HOJE TUDO MUDOU

     Hoje, um grande jogador continua a fazer falta se sai da equipe. Mas, sua eventual saída, nunca quebra a unidade de trabalho como acontecia então, porque hoje se processa antes de tudo o trabalho de equipe. E, dentro dêsse trabalho de equipe, respeitando as normas básicas de plano tático, cada um pode dar expansão ao seu virtuosismo e mesmo capacidade de improvisação. Ao contrário do que muita gente diz, o plano tático não anula a capacidade de improvisação – apenas a disciplina. Mesmo porque nenhum plano tático, por melhor que seja, pode prover tôdas as situações que se verificam em campo. Uma grande parte destas tem de ser resolvidas pela capacidade do jogador. E é a capacidade não só de se adaptar aos planos táticos como se resolver, êle mesmo, as situações imprevisíveis, que faz o grande jogador. E os grandes jogadores, é lógico, fazem as grandes equipes.

AS CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA

     Fizemos, assim, um estudo, mais ou menos acurado, do que foi o SISTEMA CLÁSSICO, hoje inteiramente posto de lado, pois, já vimos que seus últimos baluartes Áustria e Uruguai – se renderam às imposições do futebol moderno.

     Todavia, se não é aconselhável sua utilização hoje em dia, serve, porém, como objeto de estudo, para que se torne mais fácil a compreensão da razão de ser de muitas coisas que hoje existem no futebol dando margem, ainda, às vivas polêmicas.

     E, com êste objetivo, é que se deve fixar bem as características básicas do sistema, que são as seguintes:

                               1º – 2 zagueiros.

                                2º – 3 médios.

                                3º – marcação por zona.

                                 4º – ataque mais ou menos paralela à do fundo do campo.

FIM DO CAPÍTULO II

Consideração de Julio Leal:

Quanto mais se lê e entende como se deram essas primeiras modificações no sistema clássico para o WM, melhor se pode avaliar as subsequentes atualizações de tempos em tempos. Essa alteração inicial dá-se principalmente pela mudança na Lei do Impedimento para aumentar o número de gols consignados, objetivo maior do futebol, segundo as Regras

Quando o Mestre fala em dias de hoje, refere-se aos idos de 60 e 70.

2 comentários Adicione o seu

  1. Avatar de jlcleal jlcleal disse:

    Excelente. Genial. Fora de série. Professor Ernesto Santos (CRAQUE).
    Obrigado.

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    1. Avatar de Julio Cesar Leal Julio Cesar Leal disse:

      ESTUDIOSO E EXPERIENTE, CALMO E HUMILDE PARA PASSAR SEUS CONHECIMENTOS! VIVAS AO MESTRE! BJ

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